A adaptação às mudanças graduais e súbitas que ocorrem numa bacia hidrográfica transfronteiriça é um dos maiores desafios dos tratados internacionais da água. Muitos acordos de água doce existentes não prevêem disposições que permitam lidar com essas mudanças (Kistin e Ashton 2008). Acordos flexíveis com mecanismos de adaptação face a mudanças nas bacias hidrográficas são um importante componente da gestão eficaz dos recursos hídricos (McCaffrey 2003).
Os mecanismos para aumentar a flexibilidade dos acordos internacionais são os seguintes (McCaffrey 2003; Fischhendler 2004):
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Estratégias de alocação de água;
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Mecanismos de resposta à seca;
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Processos de alteração e revisão de acordos;
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Cláusulas de revogação; e
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Responsabilidades institucionais.

Cataratas de Epupa. Estratégias de alocação de água são necessárias para assegurar que as diferentes demandas sejam satisfeitas - incluindo as exigências da natureza.
Fonte: Beatty 205
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As estratégias de alocação da água implicam que os recursos hídricos sejam compartilhados com base em medidas alternativas, tais como a medição da percentagem do caudal do rio em cada Estado ribeirinho (Fischhendler 2004). Mecanismos de resposta à seca referem-se à flexibilidade para adaptar-se às características de eventos extremos, tais como o fluxo de água reduzido, respeitando, ao mesmo tempo, as orientações dos acordos existentes (McCaffrey 2003). Processos de alteração e revisão permitem aos Estados ribeirinhos resolverem situações imprevistas e adaptarem-se a novas informações. As cláusulas de revogação permitem que os países tenham a possibilidade de retirarem-se de um acordo depois deste ter sido assinado, a fim de renegociar a sua posição (Kistin e Ashton 2008). Finalmente, as responsabilidades institucionais definem o poder e a competência das instituições para o seu funcionamento e o ajustamento das práticas de gestão (Feitelson e Haddad 1999).
Lições Aprendidas da Gestão Cooperativa de Recursos Hídricos
Com base na experiência do século passado em matéria de elaboração de tratados, as lições a seguir podem ajudar as comunidades a nível internacional, regional e das bacias, tanto no desenvolvimento como no aperfeiçoamento das suas estruturas de gestão cooperativa dos recursos hídricos.
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Estrutura de gestão adaptável. Estruturas institucionais eficazes de gestão incorporam um certo nível de flexibilidade ao permitir a participação do público, a mudança de prioridades e a utilização de novas tecnologias de informação e monitorização. A adaptabilidade das estruturas de gestão deve também estender-se aos Estados ribeirinhos não-signatários, através da incorporação de disposições em resposta às suas necessidades, direitos e à sua adesão potencial.
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Critérios claros e flexíveis para a alocação de água e a sua qualidade. A alocação de água que está no cerne da maioria dos conflitos de água baseia-se na quantidade e qualidade da água, bem como na orientação política. Assim, instituições eficazes devem estabelecer planos de alocação e normas de qualidade da água que, simultaneamente, garantam uma resposta a eventos hidrológicos extremos, novas dinâmicas e à mudança dos valores da sociedade. Além disso, os Estados ribeirinhos devem pensar em priorizar os usos em toda a bacia. A utilização de precedentes e jurisprudência pode não só contribuir para evitar conflitos entre Estados ribeirinhos pelo uso da água, mas também proteger a saúde ambiental da bacia como um todo.
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Distribuição equitativa dos benefícios. Este conceito serve de base ao sucesso de algumas das instituições mais eficazes do mundo. A ideia refere-se à distribuição dos benefícios retirados dos diferentes usos da água – quer do desenvolvimento económico, da energia hidroeléctrica, agricultura, estética ou preservação da saúde dos ecossistemas aquáticos – e não aos benefícios da água em si. A distribuição dos benefícios do uso da água permite a realização de acordos que são positivos para todos, enquanto a distribuição da água em si só permitiria que alguns ganhassem e outros perdessem.
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Mecanismos detalhados de resolução de conflitos. Muitas bacias continuam a ter conflitos mesmo depois de um tratado negociado e assinado. Assim, a incorporação de mecanismos claros para a resolução de conflitos é uma condição indispensável para uma gestão de bacia hidrográfica eficaz a longo prazo.”
Flexibilidade nos Acordos da CTPC
Ao assinar dois acordos sobre a partilha das águas na bacia do Kunene, em 1991, Angola e Namíbia têm demonstrado a sua capacidade e disposição para se adaptarem a novos desafios e necessidades. As reuniões regulares da Comissão Técnica Permanente Conjunta para o Rio Kunene (CTPC) oferecem flexibilidade na governância da água que é necessária para a gestão da bacia do Kunene. Entre os resultados desta flexibilidade estão os actuais projectos de infra-estrutura conjunta.